terça-feira, 19 de junho de 2012

Chico Buarque: 68 anos de poesia (Ou "O chico é eterno")


A Arte é um tipo de conhecimento que transita no terreno arenoso das paixões, da sensibilidade, da intuição, do aspecto mais fluídico do Ser. A Filosofia e a Ciência, diferentemente, perquirem os aspectos estáveis da realidade, utilizando um discurso lógico e rigoroso, quase dogmático, movidas pela crença na posse de um conhecimento objetivo (universal e necessário). Mas a Arte conta com uma linguagem que não se submete aos cânones convencionais de forma e conteúdo, por isso o artista, mesmo quando se contradiz, é capaz dizer: ali está o real, sem qualquer necessidade de demonstração.

O poeta e escritor Francisco Buarque de Holanda é, por excelência, a personificação do artista no sentido estrito do termo. É capaz de sintetizar numa frase aquilo que filósofos e cientistas não conseguem em tratados inteiros. Chico é irreverente, ousado, rigorosamente desordeiro. Sabe que a ordem é produto do intelecto humano e a vida – o seu verdadeiro objeto – não tem regras preconcebidas, e que, para capturá-la, é preciso lançar a rede ao desconhecido sem saber o que nela virá.

Chico quando olha para a sociedade sempre a inverte e subverte. Fala do guri e do pivete de forma não institucionalizada. O menor infrator não é somente um delinqüente, mas alguém que vive a vida em suas limitações, fraquezas e ilusões. A meretriz, filha do desprezo, ironicamente precisa conter o asco de dormir com um nobre forasteiro para redimir uma cidade inteira. O que é o justo e o correto? O poeta não diz, apenas nos atormenta com suas insinuações.

Quando fala do sentimento feminino, não o faz buscando definições universais com descrições exatas e idealizadas, mas retrata a mulher individual, imperfeita, que sofre com a submissão; que se desespera e chora baixinho atrás da porta ao ser abandonada. Que espera o marido no portão todo dia, fazendo tudo igual. Fala também de uma mulher forte, que leva o sorriso da gente e é capaz de encontrar outro “mais e melhor”, como quem diz: “não se mirem no exemplo das mulheres de Atenas”.

Chico sabe que não é preciso ser filósofo para ver o que está ao redor dos acontecimentos. Quando se vai contra a correnteza, a roda viva (o sistema) nos leva “para lá”. Que o malandro - na dureza - não é julgado, condenado e culpado pelo gole de cachaça que indevidamente consumiu, mas pela situação, pelo contexto, que, como um turbilhão, faz o que quer com o nosso destino.

Mas o poeta, ao mesmo tempo, ri e brinca com o próprio destino, culpando-o ironicamente das nossas imperfeições e desditas, das nossas condutas transgressoras, sugerindo que não há um anjo malvado ou um chato de um querubim capaz de nos fazer bons ou ruins; nem mesmo existe um Deus gozador que se compraz em nos colocar em situações embaraçosas, porque a vida é responsabilidade nossa, enquanto pudermos sorrir, enquanto pudermos cantar.

Chico, mais uma vez, desbanaliza o cotidiano nos dizendo que não é na Lapa que está o verdadeiro malandro, mas em algum lugar do serviço público, com gravata, mulher, tralha e tudo. E que apesar dele, amanhã há de ser outro dia. E se esse dia chegar, não será obra do acaso, mas daqueles que nada tem a perder para ousarem formar um verdadeiro cordão contra os poderosos. Porque a vida tem sempre saída, a vida tem sempre razão.

As palavras são a matéria prima do poeta. Falando sério ou só por ouvir dizer, ele sabe quão difícil é acordar calado. Que não há coisa mais nobre no mundo que expressar o pensamento. Não há meio termo possível: ou a voz é nossa ou de mais ninguém. Chico sabe que as palavras tem o condão de criar a realidade, como o artista cria as metáforas. Cala-se, dizendo. Diz em silêncio, “porque a dor não passa”. Porque a condição humana é simples e cruel.

Quando ele fala de amor, parece querer nos confundir. Desdenha do grande amor mudando de calçada; mas, de repente, sente o peito arder de desejo ao ver Cecília passar. Chico não fala de um amor atemporal – pretensão dos filósofos – mas de um sentimento mundano que nos faz contar segredos lindos e indecentes; ou que nos deixa paralisados ao ver a amada saindo do mar. O poeta denuncia a instabilidade do espírito humano, "que ri e chora, que chora e ri".

O Chico é isso e muito mais, porque com a sua arte nos faz duvidar das crenças do dia a dia, nos provoca, nos deixa inseguro e depois nos conforta com uma linda canção de amor. Porque a verdade não é o seu tema. O seu objeto é, simplesmente, a vida.

Parabéns ao Francisco, porque o Chico é eterno!

3 comentários:

  1. Minha geração cresceu ouvindo Chico. O texto postado faz uma viagem na maneira de ser do poeta. Nele compreendemos a necessidade presente de um passado firmado no dizer. O ontem e o hoje convergem em necessidades de ouvir as mesmas sonoridades poéticas, que postavam pensamentos voltados para a sociedade atrás de seu norte, e, que mesma amarrada ao poste ouvia poesia, que a alma lhes ressuscitavam da morte.
    Ao primeiro momento da aludida postagem imaginei um evolutivo clamor em eufórica manifestação do dizer. Aguardei aguardei,o silencio foi sepulcral que me incomodou,imaginem ao autor do texto.
    Para compreender o silencio, precisei ouvir o espaço melódico atual em suas profundas mensagens poéticas, então ouvi: “Eu quero tchu,eu quero tcha.....”;”Meu amor não é 1,99..”,”Eguinha pocotó”,e,por ai vai as mais tocadas e ouvidas por nossos Chicos presentes.Dizer o que ,se ouvir não se permitem.Ai então me fiz presente em respeito ao nosso Chico de ontem e de sempre.

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  2. Olá,
    Achei essa postagem enquanto procurava conteúdos sobre o Chico. Muito interessante!
    Abraços,
    Zuza Zapata
    www.zuzazapata.com.br

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    1. Eu amo chico e achei a postagem justamente por estar procurando o *chato de um querubim*

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