terça-feira, 24 de maio de 2016

Jucá e o estágio probatório (Ou: “a estabilidade é uma praga”)


O Ministro do Planejamento, Romero Jucá, caiu! Caiu porque o governo Temer está em estágio probatório. Em condições normais seria inimaginável a saída de um ministro de primeira grandeza por causa de uma “simples gravação”. Isso prova que a estabilidade é um mal, porém querido por quase a totalidade dos seres humanos. Se Temer, que precisa se legitimar no poder, não se sentisse ameaçado, teríamos de engolir Jucá como tantos outros figurões que os governos do PT mantiveram, mesmo sob bombardeio fragoroso de denúncias.

Ao revés, se não devemos ter grandes expectativas quanto a gestão da coisa pública, que está fora do nosso controle individual, pelo menos podemos tirar sábias lições de episódios como o protagonizado pelo bando que atualmente ocupa os elevados cargos administrativos da nação. Me refiro ao fato de não devermos permitir que as pessoas com quem nos relacionamos se sintam confortavelmente estáveis na amizade. A ameaça de dissolução dos laços afetivos é tão necessária, do ponto de vista psicológico e moral, que uma pessoa atenta e esclarecida deveria zelar incansavelmente por ela, pelas mesmas razões que derrubaram Jucá.

A iminência da perda, da transformação, é um remédio poderoso contra a indiferença. Se a instabilidade de um estágio probatório tem o poder de melhorar, pelo menos por 180 dias, a conduta do Presidente da república, no campo pessoal ela pode render frutos ainda mais benfazejos. Se soubermos manipular os fatos, a ponto de o outro se sentir permanentemente ameaçado, a possibilidade de sofrermos reveses emocionais cairá vertiginosamente.     

Os fracos, como disse Netzsche, estabilizam o mundo. Os espertos, o colocam em movimento. No fim, a nossa sorte é que tudo, um dia, como disse Aquiles, no filme Tróia, acaba: “os deuses nos invejam porque somos finitos”.           

domingo, 27 de março de 2016

STF nega seguimento ao recurso extraordinário interposto pelo IFPA e mantém Walber Wolgrand no cargo de professor da instituição (Ou: "Como procrastinar o trânsito em julgado de uma decisão inevitável")



RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 940.499 (772)
ORIGEM : PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATORA :MIN. ROSA WEBER
RECTE.(S) : INSTITUTO FEDERAL DE EDUCACAO, CIENCIA E TECNOLOGIA DO PARA - IFPA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
RECDO.(A/S) : WALBER WOLGRAND MENEZES MARQUES
ADV.(A/S) : EDEVALDO ASSUNÇÃO CALDAS

Vistos etc.

Contra o juízo negativo de admissibilidade do recurso extraordinário, exarado pela Presidência do Tribunal a quo, foi manejado agravo. Na minuta, sustenta-se que o recurso extraordinário reúne todos os requisitos para sua admissão. Aparelhado o recurso na violação dos arts. 2º e 37, caput, da Constituição Federal.

É o relatório.

Decido.

Preenchidos os pressupostos extrínsecos.

Da detida análise dos fundamentos da decisão denegatória de seguimento do recurso extraordinário, bem como à luz das razões de decidir adotadas pelo Tribunal de origem, por ocasião do julgamento do recurso veiculado na instância ordinária, concluo que nada colhe o agravo.

As instâncias ordinárias decidiram a questão com fundamento na legislação infraconstitucional aplicável à espécie (Lei 8.112/90). Ademais, a aplicação de tal legislação ao caso concreto, consideradas as circunstâncias jurídico-normativas da decisão recorrida, não enseja a apontada violação do art. 37, caput, da Constituição da República. Anoto precedentes:

"Agravo regimental no agravo de instrumento. Tributário. Ofensa reflexa e reexame de provas (Súmula nº 279). 1. A Corte tem entendimento pacífico no sentido de que a violação aos preceitos constitucionais insculpidos nos arts. 5º, II, XXXV, LIV, LV; e 37, caput, do Texto Maior, configura, via de regra, como no presente caso, mera ofensa reflexa, sendo, dessa forma, incabível a interposição de apelo extremo. 2. Os fundamentos da agravante, insuficientes para modificar a decisão ora agravada, demonstram apenas inconformismo e resistência em pôr termo ao processo, em detrimento da eficiente prestação jurisdicional. 3. Agravo regimental não provido." (AI 839.585-AgR/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 08.3.2012)

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REAPRECIAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I Esta Corte firmou orientação no sentido de que, em regra, a alegação de ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, quando dependente de exame prévio de normas infraconstitucionais, configura situação de ofensa reflexa ao texto constitucional, o que impede o cabimento do recurso extraordinário. II - Agravo regimental improvido." (ARE 646.526-AgR/RN, Rel. Min. Ricardo Lewanowski, 2ª Turma, DJe 06.12.2011)

Outrossim, o Tribunal de origem, na hipótese em apreço, lastreou-se na prova produzida para firmar seu convencimento, razão pela qual aferir a ocorrência de eventual afronta aos preceitos constitucionais invocados no apelo extremo exigiria o revolvimento do quadro fático delineado, procedimento vedado em sede extraordinária. Aplicação da Súmula 279/STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

Inexistente, por seu turno, a alegada violação do art. 2º da Lei Fundamental, entendendo o Supremo Tribunal Federal que o exame da legalidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário não viola o princípio da separação de Poderes. Nesse sentido: RE 634.900-AgR/PI, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 22.5.2013; e ARE 757.716-AgR/BA, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe 07.10.2013, assim ementado:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010)– CONTROLE DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PELO PODER JUDICIÁRIO – ANÁLISE DOS REQUISITOS LEGAIS DO ATO PRATICADO – POSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – REEXAME DE FATOS E PROVAS, EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA – INADMISSIBILIDADE – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO”

Nesse sentir, não merece processamento o apelo extremo, consoante também se denota dos fundamentos da decisão que desafiou o recurso, aos quais me reporto e cuja detida análise conduz à conclusão pela ausência de ofensa direta e literal a preceito da Constituição da República.

Nego seguimento (art. 21, § 1º, do RISTF).

Publique-se.

Brasília, 28 de janeiro de 2016.

Ministra Rosa Weber Relatora

domingo, 28 de fevereiro de 2016

O direito de falar merda

Um texto, como uma aula, não tem o condão de dar conta de toda a realidade. É e será sempre um recorte, segundo a ótica de quem o elabora. Nesse sentido, sempre faltará algo a ser colocado e quem o lê, poderá, a qualquer tempo, concordar ou contraditar os argumentos existentes em seu bojo. Assim funciona a postura crítica. É no conflito que a Ciência e a filosofia se instituem enquanto tal.

A escritora e atriz Fernanda torres, no texto de sua autoria publicado na “Folha”, denominado MULHER, no geral, fez colocações muito pertinentes sobre o comportamento feminino, capaz de suscitar reflexões em diversos sentidos, afinal o tema é complexo e controverso e pode ser abordado em muitas matizes, inclusive do ponto de vista da autora, que é branca e de classe média. Por isso achei extemporânea a forma como muitos internautas a criticaram. Uma inconteste intolerância burra (como se existisse intolerância inteligente).

Quando discordamos de uma ideia ou pensamento tornado público, em um ambiente de liberdade de expressão, temos a possibilidade de contraditá-lo, mostrando, se possível, as suas dissonâncias internas e a sua falta de ajustamento com a realidade. A crítica deve visar as ideias, jamais o indivíduo que as elabora. Mesmo quando essas ideias não são da melhor estirpe, o direito de externá-las é inconteste, pois não faz sentido que a liberdade de expressão seja circunscrita aos bons pensamentos ou quando estiverem alinhados ao entendimento da maioria. Falar MERDA também é um direito sagrado num ambiente democrático.

Se admitirmos outra hipótese, instituiremos a ditadura dos que falam o que a maioria quer ouvir ou uma “meritocracia intelectual”. SÓ OS MAIS APTOS PODERÃO SE EXPRESSAR. Quem não for hábil como as palavras, ou vai correr o risco de ser bombardeado de forma grotesca por aqueles que divergem da sua maneira de pensar, ou vai “enfiar a língua no rabo”, como se falar MERDA não fosse um componente intrínseco da liberdade de expressão.

São comportamentos como esses que, em determinados momentos históricos, privaram o ser humano de ter acesso a teorias que não estavam de acordo com a visão dos detentores do poder. É dessa forma que se institui um controle da produção intelectual.

Por isso, se, de fato, vivemos num ambiente democrático, que todos, inclusive aqueles que tem MERDA na cabeça (que não é o caso da Fernanda Torres), possam dizer o que pensam, sem que um bando de despreparados tentem reprimi-los de forma tosca.