quarta-feira, 6 de novembro de 2013

As biografias não autorizadas e o direito à multiplicidade de opiniões (Ou: "O conhecimento é filho do conflito")


Para começo de conversa julgo necessário tentar compreender o que é uma biografia. Segundo alguns dicionários, é um gênero literário em que o autor narra a história da vida de uma ou várias pessoas. Desta definição decorre a questão central deste artigo: é ou não correto alguém escrever sobre a vida de outra pessoa, normalmente ilustre, sem o seu consentimento?

A principal objeção à produção de biografias não autorizadas talvez seja a que sustenta que o autor pode distorcer os fatos causando sérios prejuízos à imagem do biografado. Depois que a mentira se propaga seria difícil desconstituí-la.

Mas qual seria o bem maior a ser preservado nesse caso? Para alguns seria o direito de privacidade do biografado; para outros, o da livre expressão de pensamento por parte do autor desse gênero literário. Mas prefiro compreender essa pendenga por outro viés. Penso que o cerne do problema está em outro lugar, isto é, no direito que a humanidade tem de ter acesso às informações que lhe permitam formular juízos confiáveis sobre a realidade, mesmo que o objeto seja a vida de uma pessoa proeminente.

Digo isso dessa forma, porque tanto o biógrafo como o biografado – talvez este tenha mais motivação para tal – podem manipular as informações conduzindo o leitor a uma compreensão errada dos fatos. Não há, em qualquer campo da produção cultural, a garantia da veracidade das teorias. O equívoco é parte essencial do discurso, mesmo quando elaborado de boa fé.

Por outro lado, haveria um prejuízo imensurável à humanidade, do ponto de vista cultural, se personalidades como Nero, Calígula, Hitler e Mussoline tivessem o poder de legar à posteridade informações unicamente sob suas óticas. Mesmo Jesus, Buda e Maomé, cujo conhecimento de suas vidas privadas mudou o curso da humanidade, não seriam tão interessantes sem os mistérios decorrentes de várias interpretações sobre suas vidas, muitas até maledicentes.   

Essas coisas ocorrem porque uma biografia, enquanto gênero literário, é um trabalho teórico interpretativo e como tal sujeito a toda sorte de manipulação, mesmo quando realizado para aferir a verdade dos fatos.

Por isso, parto do pressuposto de que toda e qualquer construção teórica tem como escopo a humanidade, de todos os tempos históricos. E, enquanto criação humana, não tem compromisso em relatar a verdade sobre um determinado objeto, mas, simplesmente, um ponto de vista sobre ele. Assim funcionam a Ciência e a filosofia. Cabe ao ser humano aceitar essa teoria passivamente ou investigá-la para, quem sabe, propor novas formas de interpretação do mesmo acontecimento. Para esse intento, muitos pontos de vista são indispensáveis.

É nesse contexto que o relato sobre a vida de um determinado indivíduo deve possuir várias versões, autorizadas ou não, para que as gerações seguintes tenham subsídios para encetar investigações sérias sobre esse fenômeno. Como já foi dito, não se produz conhecimento sem multiplicidade e conflito de ideias.

Quando existe apenas um discurso, a verdade depende de quem o prolata; quando existem vários, depende de quem os ouve, interpreta e elabora um novo discurso. A concentração de informações é prerrogativa de regimes políticos totalitários, como sabiamente foi descrito na obra “1984”, de George Orwell.

Para aqueles que vêem as biografias não autorizadas como uma invasão de privacidade, oponho, simplesmente, a tese do direito à multiplicidade de opiniões que a humanidade possui, própria dos saberes críticos, porque o homem somente se constituiu enquanto tal quando outro homem dele discordou.                
                                  

sábado, 2 de novembro de 2013

O discurso da esperteza (Ou: “Na Política, como no Direito, as palavras significam o que o orador quer”)


Na semana passada a presidente Dilma, em novo pronunciamento em cadeia de rádio e TV, glorificou o resultado do campo de Libra dizendo que a sua privatização não era uma privatização, além de minimizar o fato de apenas um consórcio ter se apresentado para um leilão, que, por esse fato, deixou de ser leilão.

Esse acontecimento, com direito ao mais sagaz jogo de palavras, lembrou o episódio amoroso no qual se envolveu o ex-presidente americano Clinton com sua estagiária. O presidente negou que havia tido relações sexuais com ela, mas, após a confissão da jovem, foi ameaçado de impeachment.

Durante questionamento no Congresso americano, um senador perguntou ao advogado do ex-presidente, Sr Craig, se Clinton mentira ao negar a prática do ato sexual. Este, sem titubear, respondeu: “Bom, ele certamente enganou-se e confundiu. Ele não acredita que mentiu, pois sua noção do que o sexo é vem do dicionário. Foi sexo oral, não foi sexo pra valer”. Assim, com essa estratégia linguística, Clinton se livrou do processo de cassação.

Em ambos os casos, salvo enquanto jogo retórico, o raciocínio está indubitavelmente errado, mas, para percebê-lo, é preciso não apenas dominar o idioma pátrio, mas investigar o uso falacioso das palavras. Isso porque, na Política, como no Direito, as palavras significam aquilo que o orador quer.