sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Tropa para a Elite I - A manipulação dos dados estatísticos (Ou: "Como enganar uma platéia de tolos")*

* Texto elaborado em meados de 2007.
.......................................................................

“O aspirante Matias tabula as ocorrências policiais da circunscrição de sua Unidade PM. O Comandante, insatisfeito com os resultados, discorda, amassa o relatório e determina que seja feito novo trabalho estatístico com registros mais convenientes à sua administração”
(Filme: Tropa de Elite)



O Comandante Geral da Polícia Militar do Pará, Cel Luis, em recente entrevista ao Informativo do Centro Social da PM (Edição nº 2, julho de 2007, pág 7) afirmou que no primeiro trimestre deste ano o índice de violência e criminalidade no Estado do Pará reduziu em 5%, tudo com os mesmos recursos herdados do Governo anterior, isto é, sem quaisquer investimentos adicionais, sem um policial e sem uma viatura a mais, somente com o redimensionamento das ações. Disse ainda que estava trabalhando para manter o referido índice de redução (5%) a cada três meses. Neste caso, utilizando a mesma matemática do comandante, é fácil inferir que, em aproximadamente 60 meses, conviveremos em absoluta harmonia, algo entre a Suíça e a Terra Prometida.


Para desconstituirmos a incontida FALÁCIA DE ESTATÍSTICA utilizada pelo Comandante da PM, poderíamos – Como ensina a Professora Marilena Chauí – fazer “falar o silêncio”, isto é, mostrar o que está por trás de um argumento incompleto, lacunoso e ideológico. O que significa o “redimensionamento das ações”? Segundo o léxico, redimensionar significa “tornar a dimensionar”, “dimensionar de novo” algo. Isto é, medir ou aferir de novo alguma coisa. Que ações foram “redimensionadas” para produzir em tão pouco tempo resultado tão fabuloso? Por que não foi divulgado para a sociedade o que estava errado no passado, no campo da Segurança Pública, a ponto de fazê-la vítima de administrações anteriores incompetentes ou mal intencionadas, tanto que um simples redimensionamento das ações foi capaz de promover substancial melhora nessa área? Será algo proibido, sigiloso ou confidencial para que os cidadãos não possam tomar conhecimento e exercer o seu papel fiscalizador sobre os atos dos agentes que representam os órgãos responsáveis pela Segurança Pública no Estado? Afinal, se a segurança é pública por que os fatos e atos que a envolvem não são esclarecidos à população em geral por meio de informações objetivas, claras e acessíveis ao grande público? Ao revés, utilizam-se conceitos de alcance indeterminado e números que aos olhos do “homem comum” pouco ou nada representam.


Por outro lado, em matéria publicada no jornal “O Diário do Pará” do dia 23 de agosto deste ano foi divulgado pela Polícia Civil do Pará que o percentual de crimes na Região Metropolitana de Belém diminuiu em 2%. A precisão não foi maior porque faltaram os décimos e centésimos necessários a tal intento.


Em ambos os casos as autoridades da área da Segurança Pública do Estado se limitaram a decodificar a realidade, traduzindo-a em um simples numeral sem esclarecer o método utilizado para coletar os dados e as variáveis consideradas para interpretá-los. Mas não disfarçaram a intenção de utilizar esse cipoal numérico, sem qualquer avaliação qualitativa, para convencer os concidadãos paraenses de que a criminalidade no nosso Estado está em franco declínio, isto é, de que o que estamos vendo e sofrendo diariamente não é a realidade, mas uma distorção propiciada pela nossa pobre e limitada sensibilidade.


Talvez alguém devesse perguntar: Qual é a fonte desses dados? Quem os coleta? Quem os manipula? Quem os interpreta? São os mesmos agentes que tem a incumbência de administrar e reduzir a criminalidade no Estado? Quem executa pode fiscalizar e aferir o próprio desempenho? Como ocorre esse processo?


Não importa. Para o “discurso competente” esses são os números oficiais da criminalidade no Estado do Pará. Quem vai refutá-los? Quem vai examiná-los criticamente? Quem vai se opor ao sistema? Será que essa realidade matematizada é o resquício do homem da era científica, apaixonado por triângulos, números, retas, gráficos, planilhas, movido pelo sonho da verdade inquestionável, inacessível ao senso comum? Ou será um mero artifício destinado mais a embair a visão dos cidadãos paraenses do que em explicar as verdadeiras causas promotoras da insegurança pública – estratégias ideológicas sobejamente usadas pelos mirabolantes governos de outrora?


Apesar da falta de um acurado exame, os números, mesmos quando dispostos aleatoriamente, falam ou escondem muito, desde que os deixemos falar. Examinemos mais um exemplo de Falácia de Estatística extraída da mesma entrevista concedida pelo Comandante da PM ao Informativo do Centro Social da PM referida acima, para nos certificarmos da maneira como os dados numéricos são manipulados: “solicitamos a volta de 600 policiais aos quartéis que estavam à disposição de outros órgãos em todo o Estado”. O comandante disse 600 policiais! Esse contingente corresponde a 1/3 do que se está tentando incluir com o atual concurso para admissão de soldados e oficiais na PMPA. Onde estava esse mega-batalhão de policiais? O que faziam nesses órgãos? Engraxavam sapatos, serviam cafezinhos, tomavam conta de sítios ou fazendas de autoridades? Foram “agregados” por terem exercido função civil como determina a lei? Quem colocou tantos policiais à disposição de outros órgãos impunemente? Foi instaurado pelo menos 01 (um) Processo Administrativo Disciplinar ou IPM para apurar a ilegalidade? Ou o flagrante desvio de função de 600 policiais, que não estavam servindo à sociedade, não constitui uma ilegalidade? Mais uma vez, descortinando o discurso lacunoso, nos deparamos com questões implícitas e fundamentais para compreender o fenômeno em exame, mas que, estrategicamente, não foram esclarecidas, pois se o fosse destruiriam o próprio argumento. Assim o que parece ser uma declaração esfuziante de competência administrativa aos olhos destreinados e seduzidos pelo inebriante poder dos números, nada mais é que uma atrapalhada admissão de incompetência, conivência e omissão de quem tem o dever de apurar e divulgar para a sociedade as providências adotadas contra aqueles que a seu bel prazer retiraram de todos nós o direito de ter o serviço de nada menos que 600 (seiscentos) policiais. Ao revés, o que foi feito? Mais uma vez os números substituem as ações que deveriam esclarecer à sociedade civil como são usados os recursos públicos disponíveis para a promoção do bem geral, mas que, em verdade, são utilizados para atender interesses privados, em total desacordo com as leis que regem a Força Pública Estadual. Ademais, a única “providência eficaz” sobejamente anunciada pelo Comandante da PM é a solicitação de retorno dos militares. Mais uma vez a suposta correção do erro extingue a responsabilidade do infrator. Mas será que esses policiais militares realmente retornaram à caserna? Por que as transferências dos órgãos públicos para a PM não foram publicadas em Diário Oficial do Estado? Quem detém o domínio e o controle desses dados para nos assegurar que tais informações são verdadeiras? Todos os PMs voltaram para trabalhar como policiais ou alguns ainda permanecem atendendo autoridades e empresários em troca de barganha financeira e/ou política? Afinal, que tipo de moeda de troca é o policial militar para justificar o desvio de finalidade e de função de um contingente tão expressivo? Eis inúmeras questões cujas respostas não são acessíveis aos simples mortais, até porque uma vez esclarecidas, como já disse, afetará a coerência do próprio discurso.


Mas essa afinidade exacerbada com os números e outros instrumentos ideológicos em detrimento da realidade, como tudo na vida do homem, tem um significado e objetivam – como nos ensina o grande filósofo Aristóteles – atingir certo fim: eles tentam expressar competência, eficiência, resultados e produtividade aos olhos de um batalhão de incautos que, sem acesso aos verdadeiros acontecimentos e sem um treinamento intelectual que lhes permita ver o que está por trás dessas artimanhas, “engolem” essa receita pronta e de fácil digestão, sem saber que subjaz a esses artifícios muitas perguntas silenciosas que ficaram intencionalmente sem respostas, com o claro fito de esconder que a vida é muito mais e que os números e as palavras não passam de abstrações.


Assim, quando o Capitão Nascimento – personagem do filme – diz que o policial “ou se corrompe, ou se omite, ou vai pra guerra” certamente se refere aos policiais de pouca graduação, pois aos comandantes ainda cabe outra possibilidade: falsear a realidade. O que em sentido amplo poderia também ser compreendido como um ato de corrupção, mas, aqui, considero apenas como um vício sistêmico de um conjunto de pessoas que, em conluio, conscientemente ou não, objetivam tirar dividendos dessa grande mentira.


Moral da história: Enquanto as nossas autoridades insistirem em usar falácias, discursos ideológicos e outros truques para falsear a realidade, a fim de extraírem dividendos de diversas naturezas desse mascaramento, em vez de atuar nas verdadeiras causas da violência e criminalidade, dificilmente teremos uma sociedade mais justa e segura.

Um comentário:

  1. Só para incrementar o discurso.
    Verifica-se que utilizam para fazer estas mirabolantes contas o registro de ocorrências policiais efetuadas. Segundo autoridade do assunto dentro do TJE (Sociólogo), o que vem ocorrendo é um descrédito das instituições policiais (Civil e Militar). Já que são poucos os crimes resolvidos, o povo prefere nem mais perder tempo registrando ocorrências. Ou seja Major, reduziu o número de REGISTROS e não o número de CRIMES. Para confirmar este fato, recomenda o Sociólogo, basta verificar a considerável redução no número de crimes de pequeno potencial ofensivo (Ameaça, Furto, pequenos roubos) e o “estranho” aumento daqueles de grande potencial (homicídios, latrocínios, crimes de entorpecentes etc).
    É isso... Ou por que "Olhar e ver não são sinônimos"?

    ResponderExcluir