terça-feira, 3 de junho de 2014

A mentalidade ordinária

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) considerou "desrespeitosa" para as mulheres a propaganda do Bom Negócio em que Compadre Washington fala o já famoso bordão "Sabe de nada, inocente" e determinou que seja alterado um trecho do comercial.

A expressão considerada ofensiva é "ordinária", dita pelo cantor no meio da propaganda. No filme, Washington desaparece antes de terminar de falar a palavra. O Conar entendeu, porém, que o termo fica "perfeitamente compreensível" para o público.

Sem dúvida alguma o termo “ordinária” foi empregado em sentido pejorativo, denotando algo como “vadia”, “vagabunda” ou qualquer outro conceito relativo à falta de atributos morais da personagem feminina do comercial, mas é preciso reconhecer que o emprego desse termo é perfeitamente coerente com a ideia geral que o discurso se propôs a transmitir.

Para quem não assistiu a propaganda vou, na medida do possível, sintetizá-la: “Uma bela mulher vai entrando numa piscina e o marido está sentado numa cadeira, na pérgola. Washington, personalizando um aparelho de som, inicialmente elogia os atributos físicos da mulher. Depois, dirige-se ao marido ressaltando a sua ignorância sobre o comportamento moral da esposa. Em seguida a chama de ordinária. Neste momento a imagem de Washington desaparece, significando que o objeto baldio, por ele representado, foi comercializado. ”    

É preciso considerar que a personagem representada pelo Compadre Washington tinha de ser inconveniente e contundente na maneira de se expressar para “justificar” a vontade de o proprietário vender o objeto por ele representado. A palavra ORDINÁRIA, portanto, foi empregada num contexto totalmente lógico e sistemático. Somente se fizermos uma ampliação apressada desse conceito e o retirarmos do contexto onde foi empregado é que podemos considerá-lo ofensivo ao gênero feminino como um todo, o que, indubitavelmente, não foi o caso.   

Mas o que parece relevante nessa pendenga é o fato de algumas pessoas entenderem que a propaganda precisa ser modificada e a palavra “ordinária” retirada para que o comercial continue a veicular normalmente. Ao revés, penso que o cerne da questão não está na propaganda em si, mas na maneira de interpretá-la. O preconceito nunca está no discurso, mas na incapacidade de o sujeito perceber a sua inconsistência, ou seja, somente os “burros” acreditam nas mais estapafúrdias combinações de palavras.

Se alguém diz que as loiras são “burras”, por exemplo, “burro” é ele próprio que não conseguiu perceber que a cor do cabelo nada tem a ver com a habilidade intelectual de alguém. Uma sociedade inteligente não faz restrições ao uso de certas palavras, mas habilita os seus integrantes a compreender o verdadeiro alcance e sentido das mesmas, e assim não se deixem impressionar com combinações equivocadas de conceitos. 

Por essas e outras a palavra “ordinária”, empregada na propaganda do site de compras Bom Negócio, jamais poderia ser censurada, porque no fundo e no fim quem de fato é ordinária é a mentalidade de quem confere às palavras significados que elas nunca possuíram.


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